Orkut lançou há dois anos sua nova rede social, a Hello
Vale do Silício, temos um problema. Algumas das principais empresas de
internet têm enfrentado transtornos nos últimos meses por causa da disseminação
de informações falsas e o mau uso dos dados de seus usuários.
O WhatsApp foi acusado na Índia de ajudar a fomentar uma onda de
linchamentos por causa de mentiras compartilhadas pela ferramenta. O Google
anunciou mudanças em seus algoritmos para que notícias falsas não tenham mais
destaque em suas buscas. E o presidente do Twitter veio a público pedir ajuda para
solucionar problemas criados por "abusos, assédio, trolls e a manipulação
por robôs e humanos". Mas nenhuma companhia está passando por uma crise
tão grave quanto o Facebook.
A rede social perdeu US$ 100 bilhões (R$ 330 bilhões) em valor de mercado
desde o início de fevereiro e está sendo investigada pela suposta influência
que informações e perfis falsos na rede social tiveram sobre a eleição
americana e a votação da saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, com
duras críticas pela forma como os dados de milhões de usuários foram coletados
e usados pela consultoria política Cambridge Analytica.
Diante da dimensão que a crise das campanhas de desinformação vem
tomando, Orkut Büyükkökten, criador de uma das redes sociais de maior sucesso,
defende que "perfis e notícias falsas deveriam ser banidos".
"Estamos chegando a um ponto em que não acreditamos em mais nada do que
lemos", diz o engenheiro turco em entrevista à BBC Brasil.
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"Na vida real, se você descobre que seu amigo mente o tempo todo,
você vai querer continuar com essa amizade? Se você sabe que seu namorado está
te traindo, você vai terminar o relacionamento. O mesmo vale para a internet.
Não deveria ser permitido que alguém publique conteúdo falso e minta
constantemente."
'Estamos criando uma geração infeliz'
Ele fala com a propriedade de quem criou o site que apresentou aos
brasileiros o conceito de rede social. Nos dez anos em que o Orkut ficou no ar
(2004 a 2014), o site chegou a ter 300 milhões de usuários em todo o mundo,
grande parte deles no Brasil e na Índia.
Desde 2016, ele está à frente de uma nova empreitada, a rede social
Hello, que ele diz ser uma "continuação da jornada" que teve início
com o Orkut. O empresário avalia que sua primeira rede social acabou não
resistindo a mudanças neste mercado.
"Ela foi a primeira experiência social de muita gente, mas o acesso
antes era principalmente pelo computador e, hoje, as novas gerações são
multitarefa e fazem tudo pelo celular. O Orkut não foi ao encontro dessas
necessidades", diz.
Facebook está no centro de um escândalo pelo uso de notícias falsas para
influenciar a opinião pública
Ele acredita estar fazendo isso com a Hello, que existe somente como um
aplicativo por celular. Nestes dois anos, está disponível em 12 países, foi
baixado mais de 1 milhão de vezes no mundo e tem a maioria dos seus usuários no
Brasil - a empresa não divulga o número total.
Além disso, o empresário crê que sua nova rede social, ao reunir os
usuários em torno de interesses e comunidades sobre assuntos em comum, está
criando um ambiente mais positivo. "As redes sociais estão sendo mal
usadas e não é só na política", diz.
"Estamos criando uma geração infeliz e insegura, que tem problemas
de imagem corporal, depressão, ansiedade. O bullying e o assédio online estão
levando pessoas ao suicídio."
Equilíbrio
Quanto à disseminação de informações falsas, Orkut defende que as redes
sociais devem se esforçar mais para checar fatos e priorizar fontes de
informação "de peso". Para isso, devem buscar um meio termo entre a
tecnologia e os esforços humanos.
"Antes, confiávamos nos jornais e revistas, porque eles faziam
pesquisas antes de publicar alguma coisa. Mas checar fatos leva tempo",
diz Orkut, que conta usar Facebook, Instagram, WhatsApp e outras redes sociais
para ver o que falta nestes serviços e descobrir como tornar o seu melhor.
"Hoje, as notícias acontecem tão rápido que o que a decisão sobre o
que é exibido para os usuários de rede social é feita de forma automatizada,
com base em algoritmos e inteligência artificial. Não há pessoas de verdade
checando, e isso faz com que o público seja exposto a notícias falsas. É
preciso um equilíbrio."
Ele acredita que a Hello ajuda a lidar com essa questão com um sistema de
reputação acumulada pelo usuário com base nas interações positivas e negativas
com os outros membros da rede social.
Se um anúncio é feito para mudar visões políticas ou afetar uma eleição,
'um limite foi ultrapassado', diz Orkut
Orkut explica ainda que o site tem funcionários para moderar conteúdo.
Todos os posts são públicos, e os líderes das comunidades do site podem
sinalizar um conteúdo que consideram irrelevante ou falso, o que impediria que
ele se espalhasse sem controle.
"Garantir que uma publicação seja vista por pessoas com formações e
opiniões diferentes dificulta esse efeito que chamamos de 'câmara de
eco'."
Impacto na eleição
Quando questionado sobre o escândalo da Cambridge Analytica, ele diz
preferir não comentar especificamente sobre a forma como o Facebook usa os
dados de seus usuários. "Empresas têm políticas sobre isso, e, neste caso,
essas políticas não foram respeitadas", afirma.
"Mas, se informações assim são repassadas a um terceiro, é de se
esperar que quem as compartilha tenha a obrigação moral de monitorar e garantir
que elas sejam usadas da forma correta. Uma boa solução seria impedir que
empresas compartilhem dados sem o consentimento explícito do usuário."
Orkut explica que sua rede social não usa algoritmos para monitorar e
identificar os hábitos e preferências de seus usuários. "Pedimos
diretamente que os usuários nos digam quais são seus interesses."
Ele esclarece também que a Hello não compartilha informações com outras
companhias, explicando que elas são analisadas somente pela própria empresa,
para criar anúncios e experiências melhores no site.
"As redes sociais fazem, em geral, um bom trabalho ao lidar com os
dados que são realmente os mais sensíveis, mas é importante ser transparente
sobre como isso é coletado e usado. A questão surge quando o usuário não sabe
que seus dados estão sendo compartilhados", afirma Orkut.
"Ao mesmo tempo, o usuário deve tomar uma decisão sobre o que
compartilhar e tomar alguns cuidados. Na vida real, a confiança entre as
pessoas é uma coisa que é conquistada, mas tendemos a confiar de partida em
redes sociais e aplicativos, e isso cria problemas no longo prazo."
Ele defende que as pessoas gostam de conteúdo personalizado criado a
partir destes dados e que elas podem se beneficiar de uma propaganda que as ajude
com seus hábitos, decisões de compra e planos, mas diz que, se um anúncio é
feito para mudar visões políticas ou afetar uma eleição, "um limite foi
ultrapassado".
"Com certeza as redes sociais têm poder para impactar uma eleição,
mas não podemos dizer cientificamente se já conseguiram mudar seu rumo. Não é
porque vê o anúncio sobre um político que você vai votar nele", afirma.
"Não é garantido que vá afetar o resultado, mas com certeza as redes
sociais terão influência sobre a eleição neste ano no Brasil."
Da BBC Brasil - Rafael Barifouse
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