Lula à AFP: 'não tenho medo da prisão, sou inocente'
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista à AFP em São
Paulo, em 1 de março de 2018
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu que a ideia de ser
preso "passa todos os dias" por sua cabeça, mas garantiu não ter medo
por ser inocente.
Em entrevista exclusiva à AFP na tarde desta quinta-feira (1), Lula
reafirmou o desejo de concorrer às eleições presidenciais de outubro e ainda
garantiu ganhar no primeiro turno.
O ex-presidente foi condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção
e lavagem de dinheiro pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Ele
garante, entretanto, que todas as acusações foram montadas para desmoralizar
sua candidatura e impedir a volta do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder.
Atualmente, ele tenta conseguir um habeas corpus no Superior Tribunal de
Justiça (STJ) para impedir sua prisão quando se esgotarem seus recursos no
TRF-4. Contudo, a Justiça eleitoral ainda pode torná-lo inelegível.
"Se eles resolverem me condenar e me prender, eles estarão
condenando um inocente, prendendo um inocente. Isso tem um preço histórico. Se
querem tomar essa decisão, vão arcar com a responsabilidade do que vai
acontecer no país", alertou. "Por isso, eu durmo tranquilo",
afirmou Lula.
Durante uma hora e meia de entrevista, realizada no Instituto Lula, em
São Paulo, ele descartou, no entanto, criar tensões eleitorais.
"Vamos disputar democraticamente a eleição. Esse país não tem a
cultura da violência no processo eleitoral", disse.
Vestido com uma camiseta vermelha e um paletó azul escuro, ele falou das
dificuldades de formar alianças de governo no Brasil.
P: Não há risco de ter uma campanha mais focada em seus problemas
judiciais que nos do Brasil?
R: Eu na verdade não discuto o problema judiciário. Eu tenho consciência
do que está acontecendo no Brasil, que os meus adversários e uma grande parte
da elite econômica brasileira não querem que eu seja candidato à Presidência da
República, e a única forma que eles encontraram para evitar que eu seja
candidato foi uma quantidade de mentiras, uma quantidade de inverdades, ou
seja, quase que um crime contra nossa própria Constituição. Eu tenho desafiado
a Polícia Federal, o Ministério Público, o juiz a provar um crime que eu tenha
cometido.
Enquanto isso, eu vou fazendo campanha.
- Crença na Constituição -
P: Líderes do PT e de movimentos sindicais estão dizendo que se o senhor
for impedido de ser candidato, ou preso, pode haver distúrbios e até mesmo
mortes nas ruas.
R: Eu não trabalho com essa hipótese, só vou discutir essa hipótese
quando acontecer. (...) O que estamos vendo no Brasil nesse momento é quase um
assalto ao poder, feito pelo Poder Judiciário, representado pelo MP, pela
Justiça Federal de Curitiba e pela imprensa.
Queremos acreditar que a Constituição seja cumprida, que todas as
instituições voltem a funcionar corretamente.
- Outra 'carta ao povo brasileiro' -
P: O senhor está preparando uma "Carta ao povo brasileiro"...
R: Quando ganhei as eleições em 2002 havia um certo terrorismo contra
minha candidatura, de que eu não iria cumprir os compromissos externos do
Brasil, então naquela ocasião eu preparei uma carta ao povo brasileiro, que era
tentando mostrar ao mercado o compromisso que o Partido dos Trabalhadores tinha
com Brasil. Agora, eu quero fazer uma carta ao povo brasileiro para o povo
brasileiro
P: Qual vai ser o foco?
R: É uma carta assumindo o compromisso com o povo, o que é o que eu quero
fazer neste país (...) É possível fazer as coisas diferente do que esta sendo
feito. Você não tem que vender patrimônio público. Você não tem que fazer corte
na educação, na saúde, nas ciências e na tecnologia para poder equilibrar as
finanças publicas.
P: Quando vai ser divulgada?
R: Essa carta estou trabalhando com muito carinho porque ela vai ser a
base inclusive do programa de governo que a gente está fazendo. Eu penso que
mais alguns dias, quem sabe uns quinze dias (...).
- Sem medo da polarização -
P: O senhor tem alto índice de rejeição e a maior intenção de voto. Não
acha que seria o momento de abrir espaço a um candidato que gere menos
polarização?
R: Não existe país que não seja polarizado (...) Nenhum partido vai
ganhar com 80% (...) Toda eleição, na verdade, ela mostra uma divisão num país.
Agora, o que é importante é que um governante que ganha e os políticos que
perdem precisam perceber que, terminadas as eleições, acabada a disputa
eleitoral, você tem que governar. Não vejo problema de polarização, ela existe
na sociedade, no futebol, na religião, na política, na cultura. Não podemos
temer da polarização.
- 'Não vou me matar' -
P: Passa pela cabeça do senhor que poderia ir preso? Como lida com isso?
Já pensou como seria um Lula na cadeia?
R: Passa todo dia. Eu não tenho problema. O problema é que eu não tenho
medo e não estou preocupado. (...) Toda história tem consequências. Uma prisão
pode durar muito tempo, como a de (Nelson) Mandela, que durou 27 anos, ou pode
durar muito pouco tempo, como a de (Mahatma) Gandhi.
A única preocupação que eu tenho nesse momento é tentar mostrar minha
inocência. Se eles resolverem me condenar e me prender, eles estarão condenando
um inocente, prendendo um inocente. Isso tem um preço histórico. Se querem tomar
essa decisão, vão arcar com a responsabilidade do que vai acontecer no país.
Por isso é que eu durmo tranquilo.
Não vou para nenhuma embaixada, não peço asilo político, não vou me
esconder, não vou me matar. Eu vou brigar. A única coisa que me motiva é
brigar, porque eu tenho uma única coisa para defender, que é minha inocência.
Eu estou disposto a ir às últimas consequências para provar minha
inocência.
P: E isso significa ir até o último momento da campanha eleitoral...
R: Lógico, lógico, por que é que não iria? Está cheio de pessoas que não
têm 1% de aceitação e querem ser candidatos, porque é que eu que tenho 40% não
quero ser?
P: Tem uma agenda internacional durante a campanha?
R: Se for confirmada minha candidatura, eu quero fazer uma viagem por
alguns países da América Latina. Tenho uma palestra em Moscou, quero ver se vou
o mês que vem, teria que ir a China (...) mas tudo vai depender da agenda,
porque tenho de fazer três caravanas. Preciso acertar minha vida aqui dentro
para poder viajar.
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