Luiz Inácio Lula da Silva durante encontro com artistas e intelectuais no
Teatro Oi Casa Grande, no Rio, em 16 de janeiro de 2018
Um operário que venceu a fome e conduziu o Brasil ao topo, ou o chefe de
um dos maiores esquemas de corrupção da história: ninguém é indiferente a Luiz
Inácio Lula da Silva em um país que se debate entre levá-lo à Presidência ou à
prisão.
Aos 72 anos, o destino de quem Barack Obama chamou, há uma década, de
"o cara", ficou ainda mais sombrio nesta quarta-feira (24), quando um
tribunal de apelações confirmou sua condenação por corrupção e lavagem de
dinheiro, elevando a pena a 12 anos e um mês de prisão.
Em Porto Alegre, o trio de desembargadores encarregado de julgar seu
recurso não hesitou em apontar Lula como o chefe do enorme esquema de propinas
da Petrobras, comprometendo suas expectativas de voltar às eleições de outubro
à Presidência que ocupou entre 2003 e 2010.
Ele poderá continuar recorrendo em liberdade, mas o tempo se esgota para
o ícone da esquerda.
"O ex-presidente foi um dos articuladores, se não o principal, do
amplo esquema de corrupção" na Petrobras, argumentou um dos juízes em seu
voto.
Mas o ex-torneiro mecânico, que comandou o milagre econômico do Brasil,
já burlou vários finais durante sua carreira.
Esta manhã, em seu quarte-general no cinturão industrial de São Paulo,
Lula disse estar com a consciência tranquila de não ter cometido nenhum crime.
Favorito nas pesquisas, Lula se considera vítima de um pacto das elites
para impedir que vença as eleições de outubro, em uma guerra que começou em
março de 2016 com a Polícia acordando-o ao amanhecer para levá-lo para depor.
Não houve volta atrás na tensa escalada que resultou, em julho, em sua
primeira condenação a quase dez anos de prisão, depois de o juiz Sérgio Moro
considerá-lo beneficiário de um apartamento tríplex no Guarujá, litoral de São
Paulo, oferecido pela empreiteira OAS em troca de contratos na Petrobras.
"Quando era criança, conheci a fome e nunca ousei roubar nem uma
maçã. Como poderia roubar um apartamento?", afirmou Lula há uma semana.
Com outros seis processos abertos, o confronto ressuscitou o combativo líder
sindical, cuja trajetória não parou desde que deixou o chão de fábrica até ser
eleito Presidente da República; mas os escândalos e a crise corroeram aqueles
87% de popularidade, com os quais deixou o Planalto, em 2010.
- 'Estrela de rock' -
Nascido na aridez de Caetés, interior de Pernambuco, Lula conheceu desde
criança o lado dramático da pobreza que castigava quase um terço dos
brasileiros.
Sétimo filho de um casal de analfabetos, foi abandonado pelo pai antes de
a família emigrar para a industrial São Paulo, assim como outros milhões de
conterrâneos.
Ele foi vendedor ambulante e engraxate. Aos 15 anos, iniciou a formação
como torneio mecânico, perdeu um dedo mindinho ao operar um torno mecânico, ao
final dos anos 1970 liderou uma greve histórica que desafiou a ditadura militar
(1964-85).
Brasília, no entanto, precisou esperar e foi derrotado em três ocasiões
como candidato à Presidência pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que ele
próprio cofundou em 1980.
Quatro anos antes, este sindicalista carismático havia se apresentado em
uma conferência do economista Eduardo Suplicy. Na época, tinha formação de
operário, mas queria saber tudo sobre distribuição de renda.
"O Lula tem uma capacidade de assimilar conhecimentos e de se
pronunciar de uma maneira tão clara que conseguiu entusiasmar a população
brasileira e, especialmente, porque ele sempre manteve um contato muito próximo
com a população e inclusive com a população mais pobre", contou à AFP
Suplicy, que também foi cofundador do PT e senador durante 25 anos.
O político a quem a revista Foreign Policy chamaria posteriormente de
"estrela de rock da cena internacional", chegou finalmente à
Presidência em 2003. Durante seus dois mandatos, empurrados pelo vento
favorável da economia mundial, 30 milhões de brasileiros saíram da pobreza.
E coroou sua Presidência conseguindo a sede da Copa do Mundo de futebol
de 2014 para o Brasil e os Jogos Olímpicos de 2016 para o Rio de Janeiro.
- 'Sem limites' -
Mas aqueles anos de glória foram a raiz dos problemas que o conduziram às
portas da prisão, como muitos apontam e afirmou em setembro seu ex-ministro da
Fazenda Antonio Palocci, agora preso por corrupção.
"[Lula] dissociou-se definitivamente do menino pobre retirante para
navegar no terreno pantanoso do sucesso sem cítica (...), do poder sem
limites", escreveu aquele que foi um dos mais influentes líderes do PT.
Os dois haviam sobrevivido juntos ao escândalo do Mensalão, em 2005, um
esquema milionário de contabilidade ilegal para comprar o apoio de
congressistas, após o que Lula desmontou a direção do partido.
Ele conseguiu se manter à margem, foi reeleito em 2006 e em 2010 carimbou
a vitória de sua sucessora e afilhada política, Dilma Rousseff (destituída em
2016 pelo Congresso).
Pouco depois, foi diagnosticado com um câncer na laringe, do qual foi
curado, embora a doença tenha deixado ainda mais rouca sua voz, que agora ergue
para dizer que continuará lutando para voltar ao poder e restituir a honra de
sua esposa, a falecida Marisa Leticia, citada com ele em alguns processos a que
responde.
Por/Rosa Sulleiro - AFP
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.