Os pernambucanos Liniker Rodrigues, 25, e Warlley Santana, 25, são os
primeiros de suas famílias a cursar uma universidade. Eles dividem outra coisa
em comum: se formaram no ensino médio em uma escola integral da rede pública
estadual.
Depois do colégio na periferia do Recife, Liniker se formou em
enfermagem, fez especialização em obstetrícia e ginecologia pela UPE
(Universidade de Pernambuco) e outras duas pós-graduações: em saúde da família
e em saúde mental, álcool e drogas. Agora, faz a segunda residência e é
professor universitário e pesquisador da área.
Da escola na cidadezinha de Sairé, a 100 km da capital, Warlley foi parar
na lista dos aprovados em psicologia da UFPE (Universidade Federal de
Pernambuco). E, junto com a pós em psicologia organizacional, ele dá início a
uma segunda graduação na federal, em administração.
Os dois não são casos isolados em Pernambuco. Os alunos da rede pública
do estado que cursaram ensino integral têm 63% de chance de ingressar no ensino
superior, 17 pontos percentuais a mais que os estudantes de meio período. Eles
também têm uma renda superior em cerca de 18% já no início da carreira. Além
disso, o ensino integral zerou o diferencial entre a renda de brancos e negros
e aumentou o ingresso das mulheres no mercado de trabalho.
A conclusão é do estudo feito pelo Laboratório de Pesquisa e Avaliação em
Aprendizagem da FGV (Fundação Getulio Vargas) e pelo Instituto Sonho Grande, em
parceria com a Secretaria de Educação, com 2.814 jovens que concluíram o ensino
médio nas escolas estaduais entre 2009 e 2014.
O hoje enfermeiro diz que o ensino médio foi sua “base de construção
reflexiva da sociedade”. “Tínhamos nove matérias, inclusive disciplinas
práticas, como botânica, robótica, astronomia”, conta Liniker, que é negro e
afirma ter superado também o “racismo institucional”.
Já Warlley resolveu usar seu exemplo para orientar outros jovens. O
auxílio acadêmico e emocional que recebeu no colégio e despertou seu interesse
pela psicologia é agora seu objeto de trabalho como mentor educacional num
curso pré-vestibular. “Eu ansiava por estudar, me sentia acolhido. Hoje ajudo
outros alunos a acreditarem nos seus sonhos”, diz.
Em 2004, Pernambuco lançou um projeto-piloto para melhorar a qualidade do
ensino e reduzir a evasão no ensino médio. Além de ampliar a jornada, apostou
na formação integral dos adolescentes, por meio do protagonismo dos estudantes
e da construção de um projeto de vida.
O modelo virou política pública com a criação do Programa de Educação
Integral, quatro anos depois. O estado saltou no ranking nacional do Ideb
(Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), do 21º lugar, em 2007, para o
primeiro lugar, em 2015. Em 2017, ficou em terceiro, mas foi o que teve a menor
taxa de abandono escolar e menor desigualdade de aprendizagem entre estudantes
de nível socioeconômico mais baixo e mais alto.
“É um investimento contínuo e uma mudança de cultura. Somos um estado
pobre da região Nordeste, mas apostamos na educação interdimensional”, afirma
Fred Amancio, secretário de Educação e Esportes de Pernambuco.
No entanto, não é só estar mais tempo dentro da escola, ele diz. “É
melhorar a infraestrutura para criar um ambiente mais favorável e ter proposta
pedagógica, currículo diferenciado, para tornar a escola mais interessante. Não
adianta só ter outra aula de física, mas uma disciplina de física experimental,
para a aplicação prática do conhecimento”, diz Amancio.
Hoje, mais de 50% das escolas estaduais têm carga horária ampliada e
desenvolvem aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais dos alunos.
O estudo comparou pela primeira vez a vida dos jovens que saíram da rede
pernambucana para avaliar as diferenças entre os alunos formados nas escolas de
tempo integral (onde ficam de 7 a 9 horas diárias) e aqueles formados em
escolas de tempo parcial (com carga horária de 4 a 5 horas diárias).
Os formados nas de tempo parcial têm 46% de chance de ingressar no ensino
superior, enquanto entre os egressos das escolas integrais essa chance sobe
para 63%. O perfil das universidades que esses jovens cursam também muda: os
estudantes das integrais têm chance maior de ingressar em uma instituição
pública -a diferença é de 9 pontos percentuais.
Graduados ou não, eles conseguem iniciar a vida profissional com um
salário médio 18% superior ao daqueles do ensino parcial -a renumeração inicial
chega a ser cerca de R$ 265 superior ao salário médio dos ex-alunos de tempo
parcial. Quando o estudo olhou para os que têm a mesma qualificação, jovens
formados nas escolas integrais seguem com melhor despenho no mercado de
trabalho.
Num recorte de cor, entre os que concluíram o ensino médio em tempo
parcial, negros receberem salário em torno de 10% menor do que brancos. Já nas
escolas integrais, a diferença salarial deixa de existir, ainda segundo o
estudo. No caso das mulheres, a probabilidade de estarem trabalhando aumenta em
8 pontos percentuais no caso daquelas que cursaram o ensino integral.
As variáveis gênero, cor e nível socioeconômico exercem forte influência
na desigualdade educacional e, consequentemente, na renda. Segundo a Pnad
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), enquanto homens apresentaram um
rendimento médio mensal de R$ 2.497, as mulheres têm rendimento 22,4% inferior,
o equivalente a R$ 1.938. O diferencial em relação à cor foi ainda maior.
Enquanto brancos ganharam, em média, R$ 2.938, pretos e pardos ganharam R$
1.656, ou seja, 43,6% a menos.
Para tentar reverter o quadro, o Ministério da Educação criou em 2007 o
Programa Mais Educação, induzindo os estados e municípios a ampliar a jornada
escolar para, no mínimo, sete horas diárias.
Dez anos depois, o MEC criou a Política de Fomento à Implementação de
Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, para apoiar técnica e
financeiramente a ampliação da oferta na rede pública. A meta estabelecida pelo
Plano Nacional de Educação é de que 50% das escolas e 25% das matrículas da
educação básica devem ser integrais até 2024.
No entanto, o país ainda está longe do objetivo, diz Cleo Manhas,
assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e parte do
comitê da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
“Vejo, ao contrário, um retrocesso. A escola em tempo integral exige mais
recursos. Mas, se estamos cortando o orçamento da educação básica, estamos
caminhando para trás”, afirma ela, em relação ao corte da verba do MEC feita
pelo governo Jair Bolsonaro.
Considerando as rubricas relacionadas à educação básica, etapa que vai da
educação infantil ao ensino médio, foram congelados até agora R$ 680 milhões.
Da Folha Press
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