Foto: Alfeu Tavares/Arquivo
Barragem de Jucazinho, em Pernambuco, necessita de R$ 40 milhões para
voltar a atender os padrões de segurança
Ao menos 45 barragens do Brasil estão vulneráveis e podem apresentar
risco de rompimento. Os números são de relatório da Agência Nacional de Águas
(ANA)), que considera dados de 2017. No levantamento publicado no ano passado,
que se baseou em dados de 2016, os reservatórios preocupantes eram 25.
A maioria das barragens classificadas como vulneráveis estão no Nordeste,
especialmente na Bahia e em Alagoas, e mais da metade (25) são de
responsabilidade do poder público. Nove já eram consideradas de risco no
relatório de 2017, indicando que nada ou muito pouco foi feito para
recuperá-las. Os problemas citados são muitos: rachaduras, infiltrações, buracos,
vertedores (que medem a vazão da água) quebrados e falta de documentação que
comprove a segurança do reservatório.
O balanço da ANA é o segundo produzido após o maior desastre ambiental da
história recente do país, quando o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana
(MG), sob responsabilidade da mineradora Samarco, provocou a morte de 19
pessoas e poluiu o rio Doce, em novembro de 2015. Em anos anteriores, a agência
nacional tinha balanços sem a mesma classificação de barragens vulneráveis.
No relatório mais recente, a fiscalização constatou que, em uma barragem
de Camaçari, na Bahia, havia árvores e formigueiros comprometendo o
equipamento. Já em Santa Bárbara, no Rio Grande do Sul, seriam necessários R$
10 milhões para corrigir falhas na comporta e em outros componentes da
estrutura.
Apesar do aumento de 80% no número de reservatórios considerados
vulneráveis, a ANA diz acreditar que os dados são subdimensionados. Isso porque
o relatório anual é feito a partir de informações fornecidas pelos órgãos
fiscalizadores, e nem todos enviaram relatórios completos da situação.
Muitos ainda nem terminaram de catalogar as barragens sob sua jurisdição,
embora o cadastro tenha sido estabelecido por lei de 2010. Em 570 barragens não
se sabe nem quem é o responsável -ou o "dono"- do reservatório.
O diagnóstico da agência é que, embora se tenha avançado bastante no
cadastramento -em 2013 eram 4.437 registradas, contra 24.092 em 2017-, ainda há
muito a fazer nesse sentido. Em 76% dos casos não é possível saber se a
barragem é submetida à Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) por
falta de informação a respeito do equipamento.
Criada em 2010 por lei federal, a PNSB tem como objetivo garantir padrões
de segurança que minimizem acidentes e os efeitos destes no meio ambiente e nas
populações vizinhas às barragens. Não são todos os equipamentos, porém, que
precisam se adequar ao estabelecido pela lei -o que não significa que outros
reservatórios não precisem seguir padrões de segurança e conservação. Como critério,
a PNSB especifica características de altura, capacidade de armazenamento de
água, periculosidade dos resíduos e gravidade do dano social e ambiental em
caso de rompimento.
Em tese, a fiscalização dos órgãos estaduais e federais -há 41 com
potencial fiscalizador, mas só 33 efetivamente fiscalizam os equipamentos- é
restrita aos reservatórios que se enquadram nos critérios da PNSB. Mas até para
saber se as barragens têm as características estabelecidas pela lei é
necessário, muitas vezes, que a equipe vá até o local fazer medições.
Esse trabalho é prejudicado pelo pequeno número de fiscais. Em 2017,
havia apenas 154 funcionários para fiscalizar todas as barragens do país -há 4.510
na PNSB -, entre estaduais e federais, e nove estados não fizeram nenhuma ação
de fiscalização em todo o ano. Das barragens cadastradas, só 3% foram
vistoriadas pelos órgãos fiscalizadores.
A lei não chega a prever punições a quem descumprir as recomendações, mas
os estados podem emitir regulações específicas e aplicar multas. Para Fernanda
Laus, que coordenou o relatório da ANA, mais que a equipe reduzida, o que
atrapalha é a alta rotatividade dos funcionários. "O número de
fiscalizadores nunca vai ser suficiente, mesmo porque aumentar a equipe de
fiscalização aumenta o custo. O gargalo nem seria tanto a quantidade de
técnicos que trabalham na fiscalização, mas a rotatividade da equipe. O técnico
é treinado, se capacita. Daí com um ou dois anos ele sai. A maioria dos órgãos
tem baixos salários. A pessoa procura outras alternativas", diz.
Laus também critica o que chama de falta de consciência dos
empreendedores, os "donos" das barragens. Eles podem ser os
proprietários da terra onde estão os reservatórios ou quem explora o
equipamento, seja para uso próprio (uma empresa de mineração, por exemplo) ou
coletivo (abastecimento de água de uma cidade).
Segundo ela, muitos não investem na manutenção dos equipamentos nem se
preocupam com alguns aspectos básicos de segurança.
"Todo mundo que tem barragem tem que ter consciência de mantê-la. Se
não tem recursos para isso, não pode ser proprietário. É uma responsabilidade
que a pessoa assume. São estruturas necessárias para o desenvolvimento de
sociedades, mas podem, sim, causar acidentes, mesmo as pequenas", afirma
Laus.
Em abril deste ano, duas crianças morreram após o rompimento de barragens
em Paragominas, no Pará, e mais de 2.000 famílias foram afetadas pelas
enchentes.
Outro ponto preocupante é a restrição dos recursos para obras de
recuperação das barragens. A verba até chega a ser reservada, mas não é
efetivamente investida. Em 2017, foram aplicados 73% dos recursos previstos na
esfera federal e só 23% na esfera estadual.
Pernambuco
Um exemplo problemático é o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
(Dnocs). O órgão, responsável por mais de 300 barragens, teve R$ 5,7 milhões
para aplicar em segurança dos reservatórios no ano passado. Destes, pouco mais
de R$ 3 milhões foram empenhados, e só R$ 1,4 milhão de fato foi aplicado.
Ainda que aplicasse todos os recursos disponíveis, faltaria ao Dnocs verba para
arcar com custos de manutenção. Para se ter ideia, só a barragem de Jucazinho,
em Pernambuco, necessita de R$ 40 milhões para voltar a atender os padrões de
segurança.
"Existe uma lacuna entre o planejamento e a aplicação. Os recursos
são limitados, e é preciso ter uma estratégia inteligente e priorizar ações onde
é necessário", conclui Laus.
Da Folha de PE
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