sábado, 16 de outubro de 2021

PRESENÇA DE JOSÉ RODRIGUES

O homem do povo José Rodrigues da Silva nos deixou na última quinta-feira, aos 82 anos, mais ou menos como atravessou toda a sua existência: envolto em uma aura de dignidade silenciosa. O cidadão cuja voz pausada só era ouvida quando havia algo a ser dito, e que não poderia ser silenciado, se manteve em plena atividade como sindicalista durante todo o período em que esteve gravemente doente.
 
A morte de José Rodrigues assinala o final de uma era, a das lideranças do movimento social formadas por clérigos católicos nos anos 1960 e 1970. Sob liderança dos papas João XXIII e Paulo VI e suas encíclicas progressistas, a Igreja abandonou sua história de alinhamento com os poderosos e fez opção preferencial pelos pobres, focando o homem em sua dimensão integral, na relação com o transcendente, mas sem esquecer a vida na Terra, o tempo presente.
 
Uma das formas de atuação da Igreja foi ajudando a formar líderes capazes de organizar as mobilizações dos trabalhadores na luta por terra, trabalho e pão.
 
Com suas habilidades inatas e o treinamento recebido, José Rodrigues se elegeu presidente do sindicato de sua Bom Jardim natal em 1965, tornou-se dirigente da Fetape em 1975.  A partir de 1979, fez história como presidente da Federação. Sem perder o jeito manso,  organizou greves de até 200 mil homens e mulheres, trabalhadores na palha da cana e alcançou conquistas históricas que resultaram em melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores.
 
Era um tempo difícil, no qual a violência dos jagunços e dos agentes do estado era a única resposta para a questão social. José Rodrigues integrou a geração que pôs a própria vida em risco para refundar o movimento sindical do campo, enfrentando a tenebrosa repressão.
 
Como jornalista e como cidadão acompanhei a trajetória de Zé Rodrigues e testemunhei momentos de grande tensão, nos quais ele mostrou coragem, firmeza e compromisso com os trabalhadores, sob ameaça da repressão.
 
Tive oportunidades de publicar, junto com Gilson Oliveira, um longo depoimento de Zé no livro Memórias da Luta Camponesa, publicado em 2014. Foi uma das muitas entrevistas que fiz com ele ali, na sede da Fetape, na Gervásio Pires.
 
Homem de muitas virtudes, José Rodrigues se notabilizou pela firmeza, pela constância e pela resiliência, características de quem nunca se rende e nunca esquece seus compromissos.  Chefe de família exemplar, não deixou herança, mas legou aos filhos e aos companheiros de militância um nome honrado e uma história de dedicação à causa.
 
Por: Evaldo Costa-Jornalista/Diário de Pernambuco

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