Como hoje, Natal, não produzi a 'Coluna da terça-feira', fica em seu lugar a crônica que postei, ontem, refletindo o clima natalino neste torrão sertanejo, onde passo a festa de nascimento do Cristo salvador.Confira abaixo: Já viajei muito. Conheço praticamente todo o Brasil em se tratando de capitais. Cruzei boa parte da Europa, de vez em quando vou aos Estados Unidos visitar meus filhos, passei por vários países da América do Sul e estive até na Finlândia, onde curti o sol da meia noite. A profissão, felizmente, tem esse lado bom, que me propicia oportunidades. Mas o meu lugar sagrado, verdadeiro santuário, é o Sertão. Natal, para mim, é beijar a pedra, tradição de família. É ir direto a fonte: o Pajeú, em Afogados da Ingazeira, a 386 km do Recife. Não é perante o santuário que buscamos o perdão dos nossos pecados, as benções celestiais e a renovação das esperanças?O Sertão é mais do que um santuário. É um tabernáculo. Se você não sabe, o tabernáculo foi erguido no deserto um ano depois da páscoa quando os Israelitas foram livrados da escravidão egípcia. Era uma barraca móvel com mobília portátil que podia ser transportada onde quer que eles lançassem acampamento. Deus sabia que o povo precisava de uma presença visual, tanto que Moisés subiu ao monte Sinai e passou 40 dias ali. As pessoas impacientes juntaram ouro e fizeram um bezerro visível para adorá-lo em lugar de Deus, neste ato demonstraram a necessidade em seguir algo visível. O tabernáculo do Sertão requer uma espera enorme. E tem gente que não suporta a espera por causa do calor insuportável. Em todos esses anos de Natal com meus pais nunca vi seca maior. Meu santuário virou sinônimo de dor, sofrimento, tragédia, desespero, aflição. Por isso, quem passa por aqui e não tem a pele curtida pelo seu sol abrasador acha que Sertão é habitat apenas de urubu, gavião, gaivota, esses pássaros que estão sempre no alto, apalpando ares com o olhar remedindo as misérias todas do Sertão. Maltratado, meu santuário se reflete num grito de dor dos seus poetas. 'Não tenho mais pranto/meus rios secaram todos/meu rosto é espelho desse chão/rasgado por sulcos profundos/ sou do sertão/ levo a vida 'severina'. Ao invés do grito de dor, o poeta bem poderia fazer a súplica por chuva, como Patativa do Assaré: 'Desculpe, eu pedia a toda hora/pra chegar o inverno/desculpe, eu pedi para acabar com o inferno/ que sempre queimou o meu Ceará'. Oh, chuva, chega logo! Vem molhar o nosso Sertão, porque meus olhos só veem galhos secos, cinzentos, que mais parecem raízes alheias ao vento que sopra trazendo rarefeita ilusão. Enfrentar um dia de sol na maior seca dos últimos 50 anos é como que dar um passo ao túmulo, porque aqui se vive morrendo no dia e ressuscitando de noite. Porque, felizmente, meu santuário durante a noite e madrugada é encanto e sedução. O céu floresce, nos embriaga de beleza com o seu azul anil e nos seduz. Não há flores belas nesta época, mas a estrelas formam um jardim de luz. Seria lindo o meu sertão com água, porque basta uma gota de orvalho numa folha seca de palma para ela florescer. E a asa branca, com o seu canto, fazer o caminho de volta. Meu santuário, sem chuva, virou um deserto. Dá uma sensação horrível de um eterno vazio. Mas a vida não precisa de vazio também? A lagarta dorme num vazio chamado casulo até se transformar em borboleta. A música precisa de um vazio chamado silêncio para ser ouvida. Um poema precisa do vazio da folha de papel em branco para ser escrito. E as pessoas, para serem belas e amadas, precisam ter um vazio dentro delas. Bonitas são as pessoas que falam pouco e sabem escutar. Os sertanejos são assim, pessoas fáceis de amar, porque estão cheias de vazio. E é no vazio da distância que vive a saudade. Há mais, muito mais, para o Natal do que luz de vela e alegria. É o espírito de doce amizade do sertanejo do meu santuário, que brilha todo o ano. Meu santuário, onde estão as minhas joias Gastão e Margarida, meu pai com 90 anos e minha mãe com 86, é reino de consideração e bondade. É a esperança renascida novamente, para paz, para entendimento, e para benevolência dos homens. Neste Natal, que no meu santuário o amor de Deus e o amor dos seres humanos prevaleçam acima de todo o ódio e amargura. Afinal, Natal é um tempo em que nossos pensamentos, ações, e o espírito de nossas vidas manifestam a presença de Deus. Se há alguém ainda que não acredite em Deus e não enxerga no espírito natalino o símbolo da vida, que venha ao meu santuário. Aqui, mais do que em qualquer outro lugar, temos provas da existência de Deus: a intensa luz do sol, que brilha o ano inteiro. Escrito por Magno Martins |
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